terça-feira, 1 de junho de 2010

Resenha: O que é Educação?


Capítulo 1: Educação? Educações: Aprender com o índio

“(...) aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações tem concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa.
...Muitos dos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros ou como conselheiros. (...)”

O autor do livro “O que é Educação”, Carlos Rodrigues Brandão, inicia o trabalho com uma carta escrita por índios para governantes norte-americanos que desejavam que os índios tivessem a mesma educação que os brancos. Sabiamente, os índios mostram que não existe um tipo ou modelo de educação. A carta da tribo mostra o que acontece também em nossa sociedade: às vezes temos um tipo de educação que não prepara para a vida. Inseridos em uma luta de classes, somos educados para mandar ou obedecer, sem levar em consideração que todos podem e devem contribuir paa o bem coletivo e não só de um grupo específico. Assim, preparamo-nos para o vestibular e a faculdade, que nos garantirá empregos melhores ou para o trabalho técnico que garantirá mão-de-obra barata à sociedade.
No mesmo capítulo, o autor ressalta que a educação não está presa à escola e começa antes dela: em casa, na igreja, na comunidade, com grupos de amigos, mas não retira sua importância, que é dar continuidade à educação que está em construção desde o nascimento.
O autor lembra que a educação é “uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre outras invenções de sua cultura, em sua sociedade”, mostrando que ela faz parte da construção coletiva da sociedade, que também se reinventa, de acordo com suas necessidades. Para Brandão, a educação mostra sua força quando se coloca como meio para preparar a sociedade com o que acham certo e benéfico a ela. Por outro lado, lembra que sua fraqueza está justamente na forma como ela pode ser usada para manipular, tornando-os, como no caso dos índios citados, “totalmente inúteis”.

Capítulo 2: Quando a Escola é a Aldeia

“A educação existe onde não há escola e por toda parte podem haver redes e estruturas sociais de transferência de saber de uma geração a outra, onde ainda não foi sequer criada a sombra de algum modelo de ensino formal e centralizado.”

Brandão (1981) fala sobre a supervalorização do ensino em bancos escolares em detrimentos a outras situações de troca de saberes. Nas tribos indígenas e comunidades camponesas o saber construído difere do saber das grandes cidades, e nem por isto deve ser discriminado. Ele lembra que a “educação existe sob tantas formas e é praticada em situações tão diferentes, que algumas vezes parece ser invisível, a não ser nos lugares onde perdura alguma placa na porta com seu nome”. E assim como o espaço para aprendizagem não pode ser definido, a hora, o momento, o período de aprender também não. A hora de aprender não se limita a quatro, cinco ou oito horas, entre segunda-feira e sexta-feira, mas é uma ação contínua, a qualquer momento.
Outra questão que o autor levanta é que a educação acontece quando há troca entre as pessoas, no meio em que vivem, e que as crianças são agentes de sua própria aprendizagem. Elas buscam, pesquisam e constroem seus saberes, e não são meros receptores, como muitos ainda acreditam. Brandão ainda ressalta que a aprendizagem não acontece por imposição, e tem melhores resultados quando está atrelada ao cotidiano, seja em momentos de trabalho, lazer ou amor.

Capítulo 3: Então, Surge a Escola

Já neste capítulo, Brandão procura questionar a “evolução” da educação, que passa a ser usada para reforçar as diferenças sociais criadas pela própria sociedade. Esta educação, que vai além da adquirida na família, igreja e comunidade, mas que é moldada com teorias, conceitos e métodos, é utilizada para que a manutenção das hierarquias sociais. Neste momento, segundo o autor, “a educação vira ensino”.
Ele explana que esta concepção de educação forma e reforça as diferenças, valorizando um grupo em detrimento a outros: homens e mulheres, ricos e pobres, negros e brancos, chefe e empregado, criança e adulto, professor e aluno. Ele explica que esta “divisão social do saber”, como coloca, não acontece somente em sociedades complexas, mas em tribos e comunidades muito simples, quando dividem o trabalho das mulheres e dos homens, por exemplo.
Brandão defende, no entanto, que a sociedade, mesmo que divida e hierarquize o saber, não abandona por inteiro as formas livres, familiares e comunitárias de educação. Segundo ele, “em todos os cantos do mundo, primeiro a educação existe como um inventário amplo de relações interpessoais diretas no âmbito familiar”. A isto ele chama de “rede de trocas de saber universal”, a forma mais “persistente na sociedade humana”. E assim, mesmo onde há o ensino formal, dividido e hierarquizado, o espaço educacional, ou seja, onde se aprende e ensina realmente para a vida, não é o escolar.
O autor chama a atenção para os educadores, que muitas vezes participam consciente ou inconscientemente desta divisão e hierarquização do saber, uma vez que se preocupam em passar alguns saberes e reservar para si outros, reforçando a ideia de que “saber é poder”. O problema é que isto pode ser um “tiro pela culatra”, pois à medida que não proporcionamos aos alunos a possibilidade de buscar a liberdade, reforçamos os interesses de classes que não querem esta libertação para que a desigualdade continue.



Capítulo 4: Pedagogos, mestres-escolas e sofistas

Brandão continua a explanar sobre a luta de classes e a relação com a educação, Quando a sociedade é dividida em classes, consequentemente a educação passa a ser dirigida, limitada e diferenciada entre os cidadãos. Para isto, explana sobre a educação grega, com seus mestres-escola e artesões-professores de um lado, e os escravos pedagogos e educadores nobres de outro. A educação que antes era livre e surgia dos exercícios coletivos da vida, é dividida à medida que a polis grega se divide entre nobres e plebeus, livres e escravos. Mesmo muitos séculos depois das “lojas de ensinar” atenienses, em que mestres-escolas, “reduzidos pela miséria a ensinar”, lecionavam as primeiras letras e contas aos meninos pobres, que paravam nela e não tinham oportunidades de ir além, a situação ainda é parecida. Pobres saem das escolas técnicas prontos para o mercado de trabalho, com um ofício que terão pelo resto de suas vidas, enquanto ricos têm a oportunidade de desenvolver suas habilidades e capacidades para lidar com as diversas situações da vida, além das qualidades para comandar grandes empresas e utilizar a mão-de-obra barata, criada na sociedade desigual e injusta em que vivemos.
O autor enfatiza o papel do pedagogo, ou escravo pedagogo – condutor de crianças-, que na Grécia, era o responsável pela educação inicial das crianças nobres, por conviver com elas, mais até do que os pais. O pedagogo “era o educador por cujas mãos a criança grega atravessava os anos a caminho da escola, por caminhos da vida”.
Brandão ainda fala sobre o papel do Poder Público, que interessado na manutenção da desigualdade por fazer parte da elite, utiliza seus aparelhos ideológicos, inclusive a escola, como defende Althusser (1998).
Por último, ele pondera que embora a educação grega não tenha levado em conta as características da criança, pois pensava no que ela se tornaria, no modelo que viria a ser, ressalta que os gregos nos ensinam que “a educação existe por toda a parte e é resultado da ação de todo o meio sociocultural sobre os seus participantes”. É o exercício de conviver, como faziam os escravos-pedagogos com as crianças, que produz o saber.
Capítulo 5: A educação que Roma fez e o que ela ensina

Já neste capítulo, Brandão ressalta a diferença entre a educação grega e a romana, que acreditava que a educação da criança era uma tarefa doméstica. A criança aprendia em casa, com os mais velhos, principalmente os valores do mundo dos “mais velhos”, dos seus antepassados, independente da classe social: cabia aos pais educar as crianças, fossem ricas ou pobres. Mas da mesma forma, com o passar do tempo, a educação também é dividida entre ricos e pobres, senhores e servos. Em Roma é criado a schola publica, mantida pelos cofres dos municípios. Até hoje, a divisão por idade, bem como a educação antes dos sete feita pelos pais, é mantida em nossa sociedade.
Brandão ressalta que o educador, neste período, serviu como instrumento para a expansão do império, pois onde a espada não chegava para conquistar, a vida e a cultura dos romanos cumpria esta função. É o que vemos hoje na relação Brasil-Estados Unidos, por exemplo. Embora tenhamos uma relação amistosa, a cultura norte-americana está tão impregnada em nossa sociedade, pela linguagem e excessivo uso de palavras estrangeiras, pela roupa, estilo musical e tantos outros meios, que preferimos o hambúrguer e batata-frita ao arroz e feijão, ou o Black, em detrimento ao Baião.

Capítulo 6: Educação: Isto e aquilo, e o contrário de tudo

Brandão busca na definição da palavra “educação” as origens para mais questionamentos neste capítulo, além de pensar sobre o que tal palavra significa para legisladores, pedagogos, professores, estudantes e outros sujeitos. Ele reconhece que tanto os dicionários como as leis que envolvem a educação não condizem com a realidade brasileira. Ele levanta a hipótese de que a falta de definições claras, sejam nas leis ou dicionários, mostra que não é de interesse da elite e de quem tem o poder mostrar que a educação é de “todos, para todos”. Mas também lembra que mesmo entre educadores há diferenças sobre o que seja educação, pois afinal, esta definição parte do questionamento do que é ensinar também. Se para o professor, ensinar é transmitir conhecimento, a educação será algo, e para aquele que acredita que é construção, a ideia sobre educação será outra, e implicará outras atitudes.

Capítulo 7: Pessoas “versus” sociedade: um dilema que oculta outros

Neste capítulo, Brandão questiona não o que é educação, como nos outros, mas para quem ela existe. Ele levanta a dúvida se a educação serve para o indivíduo ou a sociedade e afirma que a educação é vista como um processo de interiorização, quando o saber é de fora para dentro ou de exteriorização, de dentro para fora. Ele leva a discussão para a parte mais prática da educação: a ação, o real. Mais que definir filosófica ou socialmente, Brandão lembra-nos que a educação é uma prática social, como a saúde, a comunicação, o serviço militar, por exemplo. Defini-la desta maneira não é inventar um novo conceito, nem relembrar filósofos do passado, mas reconhecer o que é natural. Assim como os índios e camponeses são educados para viver em sociedade e aprendem o que precisam saber para viver nela, nós também. Segundo ele, por meio dela, a sociedade reproduz seus sujeitos sociais. Ela, portanto, não tem um fim social, pois seu fim é manter a sociedade como ela está. Ele critica que nas sociedades “desenvolvidas”, a ideia de educação para um determinado fim, ou para um determinado grupo, desvinculada da ideia de sociedade, é uma maneira de “esquecer” ou “ocultar” o que ela realmente significa.

Capítulo 8: Sociedade contra Estado: classe e educação

Brandão explica que vários aspectos determinam o tipo de educação que determinada sociedade terá, entre eles, suas posições sociais, a maneira como a sociedade se organiza e o que pretende manter nela. Ele defende, baseados nas ideias de Durkheim, que assim como não existe um tipo de sociedade, a educação não será feita de uma só maneira, nem tampouco haverá uma perfeita. Ele lembra ainda que mesmo em uma sociedade, a educação muda, pois a sociedade está em constante mudança. A educação, neste ponto, deixa de ser vista como algo que mantém as estruturas, mas que também as modificam.
O autor afirma que educação e mudança sempre andam juntas, mas ter a ideia de que a educação é o único ou principal meio para transformações na sociedade, já que ela também é uma prática desta mesma sociedade, é estar diante de um “utopismo pedagógico”.
Mais uma vez, o autor lembra que a desigualdade faz com que ideias como “o direito de todos à educação”, fique no papel, e fala sobre a falsa ideia de democracia por meio da educação. Uma vez que a educação serve para manter a desigualdade, nem a educação de ricos, nem a de pobres, é democrática. O pobre é intimado a matricular seu filho na escola e aceitar a educação imposta pelos livros e sistemas de ensino. Os ricos, da mesma forma, são induzidos a crer que a educação excludente é a única forma de garantir a seus filhos, um futuro melhor, que o dos outros.

Capítulo 9: A esperança na educação

No último capítulo do livro, Brandão escreve que “se em um ela serve à reprodução da desigualdade e à difusão de ideias que legitimam a opressão, em outro pode servir á criação da igualdade entre os homens e à pregação da liberdade”, e conclui sua ideia sobre educação. Para isto, esta precisa ser “reinventada”, feita de maneira diferente e até mesmo oposta do que é hoje.
Ele lembra que esta reinvenção precisa da colaboração de todo, e não só do professor. A sociedade não pode tratar a educação como assistencialismo ou como transmissão de conhecimentos, mas como a prática social que pode ajudar a construir uma sociedade mais justa e melhor. Sem hipocrisias, precisa realmente dar prioridade a ela, não só em palavras em época de eleições, mas sempre, e acompanhar sua evolução, resultado do desenvolvimento da própria sociedade.
Por último, lembra que a educação é acima de tudo, um ato político, não somente pedagógico. Lembra que a educação também se faz na rua, nas manifestações, na luta por melhores condições de vida, e acima de tudo, na participação política de qualquer cidadão.

CONCLUSÃO

Passa longe de um texto vazio. Simplesmente esclarecedor. Profundamente provocante. Definitivamente essencial. O livro “O que é Educação”, de Carlos Rodrigues Brandão, nos mostra o quão distantes estamos do que realmente esta pequena palavra significa. Mais que definir com dicionários, busca na História, na Filosofia e na Política não só significar, mas “ressignificar” educação, de modo claro e inquietante.
Brandão instiga o leitor a pensar sobre seu papel na construção desta prática social tão difundida, mas pouco valorizada verdadeiramente.
Não só para professores, mas principalmente para estes, o livro mostra a importância de sempre pensar sobre rumos, concepções e ideologias que muitas vezes são levadas à diante e que só interessa aos poderosos e “donos do país”. Deixa claro que não podemos ser reprodutores de uma sociedade injusta e desigual, mas agentes de nossa própria história e construtores de novas realidades, para todos.
Brandão é corajoso e não se mostra pessimista, atitude mais fácil nos dias de hoje. Defende que com garra, conhecimento, criticidade e novas práticas, podemos mudar a realidade de nosso país.

Referência

BRANDÃO, C. R. O Que é Educação. 1.ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.

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