terça-feira, 6 de julho de 2010

Serra é o candidato de Lula?

Por Gilberto Dimenstein

Foram divulgados, na quinta-feira passada, em meio a um emaranhado de números e conceitos, os resultados da qualidade da educação no Brasil (Ideb). Sua melhor e mais simples tradução estava num detalhe da pesquisa do Datafolha sobre a eleição presidencial, divulgada no dia seguinte. Apesar do intenso bombardeio nos mais variados meios de comunicação, 1 em cada 5 eleitores não sabe quem é o candidato de Lula - alguns, aliás, acham que os preferidos do presidente são José Serra e Marina Silva.

Se 20% desconhecem que Dilma Rousseff é a candidata oficial, imagine quantos entendem as propostas dos candidatos. A imensa maioria, mesmo nas classes mais ricas, não conhece o nome dos ministros, muito menos seus programas. A percepção é baseada em imagens, emoções e senso comum.

Poucos alunos do ensino médio saberiam dizer que a proporção 1 em cada 5 equivale a 20%. Tampouco identificariam a ideia mais importante de cada parágrafo deste texto. Isso é o que representa a média 3,6 alcançada por aqueles estudantes -ou o fato de apenas 1% deles ter atingido o nível avançado.

Mais importante do que a nota de português e matemática, a principal base do cálculo do índice de qualidade de ensino são as consequências práticas do aprendizado. Não se educa para fazer provas, mas para propiciar autonomia na vida.

Lideranças empresariais, que estão aprendendo a ler as estatísticas educacionais (antes restritas a pedagogos), traduzem os dados divulgados na quinta-feira olhando para seus negócios. Não saber que 20% significam 1 em cada 5 ou não localizar a informação mais importante de um texto significa falta de trabalhador qualificado, portanto menos chance de expandir a produção e ampliar os lucros.

Daí o consenso nacional sobre o ensino técnico. Só que o trabalho é apenas uma dimensão da cidadania. Existe também o direito de usufruir das riquezas culturais, científicas e tecnológicas da humanidade.

Muitas vezes, por não estarem conscientes dessa obviedade, as escolas empanturram os currículos com inutilidades, propagadas apenas pela tradição. Não deveria surpreender a taxa de evasão ou o desinteresse, especialmente nas redes oficiais.

Trabalhando com educação e comunicação em escolas e projetos sociais, aprendi que um dos melhores jeitos de seduzir estudantes é usar a notícia como matéria-prima e associá-la ao currículo. Uma eleição consegue se transformar numa rica fonte de provocações e curiosidades.

Não bastam projetos esparsos para explicar as notícias nas escolas. A realidade deve pautar diariamente os professores, convidados a estabelecer relações para transformar informação em conhecimento.

Não estou propondo que se joguem fora os livros didáticos, mas que eles sejam encaixados no cotidiano. Por que não aprender matemática com os gráficos de uma pesquisa eleitoral e português com as falas ou os artigos dos candidatos?

Quanto mais pobres os alunos, mais cabe às escolas fazer essa conexão - afinal, muitos deles vêm de famílias com baixo repertório cultural. Doutor em economia pela Universidade de Londres e professor da USP, Naércio Menezes Filho tem mergulhado nos resultados das provas, tentando descobrir as razões do sucesso e do fracasso escolar. Para ele, 70% do desempenho está relacionado a fatores externos à escola, sobretudo à base familiar.

Pais mais educados conseguem fazer a lição de casa com os filhos, levá-los a médicos, a museus, a teatros ou a cinemas, proporcionar-lhes viagens, apresentá-los a livros, jornais e revistas, oferecer-lhes internet com banda larga. Também são explicadores de notícias. Em casa, conversam sobre questões sociais, econômicas e políticas.

Sei que as escolas públicas ainda requerem muitas coisas básicas, a começar de professores com boa formação, mas, para ter um índice educacional de verdade, é preciso medir quantos conseguem um bom emprego ou entendem um debate eleitoral.

Ninguém tem um mínimo de autonomia se estiver desempregado ou se não puder compreender o que os governantes fazem com sua vida.

PS - Não deixo de reconhecer os avanços, expressos pelo Ideb, divulgados na semana passada. Um deles é a percepção de que a juventude é uma questão central e, sem tornar o ensino médio mais útil e atrativo, não há civilidade possível.

Portal Aprendiz

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